As balas sobre o balcão são as preferidas e o xixi pode estar quase saindo, mas não adianta: não há santo ou argumento materno que convença a criança a se aproximar da moça e pedir o que quer ou perguntar onde é o banheiro. Para enfrentar o desconhecido, só mesmo agarrado à mão da mãe e escondido atrás dela, enquanto ela faz as perguntas.
Soa familiar? Um certo grau de timidez é comum à maioria das crianças e tem lá sua utilidade ao introduzir cautela no primeiro contato com o desconhecido -seja ele um estranho que vem lhe fazer bilu-bilu, uma grande massa d'água salgada agitada, barulhenta e fria, ou um brinquedo novo grudento, rosa e cheio de pernas que desce às cambalhotas pelas paredes da sua casa.
Às vezes, basta um pouco de familiarização (ou pirulitos) para a criança começar a brincar com as vendedoras; outras, nem várias demonstrações de que a coisa grudenta não morde farão com que a criança pegue o tal brinquedo.
A razão? O que chamamos de timidez é uma expressão do medo frente ao desconhecido, e ela depende do grau de reatividade de uma parte do cérebro: a amígdala (não é a da garganta!).
Quanto maior a ativação, mais exagerada e difícil de controlar é a resposta corporal, fisiológica mesmo, de medo do rosto ou do objeto estranho.
A equipe do psicólogo Jerome Kagan, da Universidade Harvard, nos EUA, demonstrou que as diferenças comportamentais são ligadas ao grau de ativação da amígdala entre crianças -e ainda permanecem até a idade adulta. Uma vez tímido, provavelmente sempre tímido. Essa persistência do grau de reatividade da amígdala ao desconhecido indica que ela vem de fábrica e é possivelmente uma questão de genética, assim como a cor dos olhos ou dos cabelos.
Mas genética não é necessariamente destino -e uma amígdala muito sensível ao desconhecido também não. Sociedade, cultura, ambiente, educação e muita determinação podem acabar dando um jeito de contornar o freio imposto pela amígdala face ao desconhecido e tornar mesmo a mais tímida das crianças em uma adolescente capaz de falar com a vendedora. A amígdala não cede, mas o resto do cérebro aprende a dominar seus impulsos e passar por cima do medo.
Ainda bem para o comércio. Já pensou o estrago se ninguém tomasse coragem de abordar um desconhecido para perguntar o preço -ou onde fica o banheiro mais próximo, rápido, por favor?
Fonte: http://www.folha.uol.com.br
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