Recém-chegada aos Estados Unidos, a irlandesa Phoebe Prince, 15 anos, manteve um namoro com um dos garotos mais populares da escola onde se matriculou. Esse foi o motivo que levou um grupo de adolescentes a agredi-la verbal, virtual e fisicamente. Cansada, desesperada e com medo da violência, a garota optou pelo suicídio. Phoebe foi encontrada enforcada na escada do prédio onde morava no último dia 14 de janeiro passado. Em março, a Casa Imperial japonesa divulgou uma nota informando que a princesa Aiko, de 8 anos, filha única do herdeiro do trono do Japão, Naruhito, havia deixado de ir à escola após sofrer assédio moral por um grupo de colegas.
Phoebe, Aiko e milhões de outras crianças e adolescentes, meninos e meninas, de todo o mundo são vítimas, diariamente, de um mal que existe há séculos, mas que hoje em dia tem nome “científico” – bullying – e vem alcançando proporções avassaladoras. De acordo com a psicóloga Maria Tereza Maldonado, do Rio de Janeiro, membro da American Family Therapy Academy, o bullying sempre aconteceu em todas as escolas, mas por muito tempo a sociedade o considerou “brincadeira de crianças” e não deu maior importância ao tema. O termo inglês é utilizado para descrever atos de agressão física, verbal e psicológica intencionais e feitos de modo repetitivo.
“É semelhante ao que tradicionalmente acontecia na educação dos filhos: os pais se achavam no direito de xingar, espancar e cometer outras formas de violência para ‘endireitar’ as crianças rebeldes. Atualmente, esses casos vão parar nos Conselhos Tutelares como ações de violência intrafamiliar que precisam ser tratadas para que os pais se conscientizem do direito das crianças de serem educadas sem violência. Com o bullying está começando a acontecer algo idêntico: é preciso trabalhar o conceito de que agressão não é diversão. Condutas de perseguição implacável, mensagens difamadoras e depreciativas, agressões físicas ou verbais não devem ser aceitáveis”, afirma Maria Tereza, autora do livro "A Face Oculta – Uma história de bullying e cyberbullying", editado pela Editora Saraiva.
Segundo a pedagoga Flávia Cristina Oliveira Murbach de Barros, de São Paulo, é necessário levar em conta que os problemas sociais em geral, na escola ou em qualquer outro espaço, vieram a ter mais evidência com a evolução dos estudos sobre o assunto. “Podemos dizer que a partir da década de 1980 houve muitas mudanças políticas e econômicas no país, o que acarreta uma grande mudança na forma de se ver a ciência, a arte e a sociedade como um todo. Assim também passaram a ver a escola e seus problemas por outro ângulo. É necessário destacar ainda que as gerações atuais vivem um momento de banalização da violência, psicológica ou física, o que contribui para o aparecimento de mais violência, como o caso do próprio bullying”, afirma Flávia, que também é doutoranda em Educação pela Unesp Marília (Universidade Estadual de São Paulo) e pesquisadora do Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior).
MOTIVOS E SINAIS
Mais importantes do que as diferentes expressões do bullying, conforme as faixas etárias, são as semelhanças de motivos: visões preconceituosas sobre as pessoas consideradas diferentes da maioria; desejo de exercer poder dominando ou atacando pessoas vistas como mais sensíveis ou retraídas; inveja que estimula a excluir do convívio social os que se destacam intelectualmente.
Em geral, a criança que sofre o assédio moral não conta em casa o que está acontecendo na escola – o universo principal onde o bullying é exercitado (alguns autores expandem o conceito para incluir também as condutas de agressão persistente entre irmãos, vizinhos e parentes) –, mas pais atentos podem identificar o problema.
Os principais sinais são mudanças de comportamento do tipo: não querer ir para as aulas, pedir para mudar de turma, sintomas de angústia (dor de cabeça, de estômago, suor frio), dificuldade de concentração e queda do rendimento escolar. A criança se torna arredia, tensa, preocupada e cansada, de acordo com o especialista norte-americano Allan Beane, autor de “Proteja seu Filho do Bullying - Impeça que ele maltrate os colegas ou seja maltratado por eles” (Editora BestSeller) e do site www.bullyfree.com. O filho de Allan, Curtis, morreu aos 23 anos por culpa indireta do bullying após muito sofrimento.
É PRECISO ESCUTAR
Os pais precisam mostrar-se abertos à escuta, encorajando a criança a expressar seu sofrimento, sem criticá-la por ser “fraca” e sem se apressar a criar soluções que muitas vezes ela não se sentirá em condições de colocar em prática. É importante pensar junto com ela a criação de recursos pessoais e de alianças com os amigos que a tornarão capaz de enfrentar os agressores, da mesma forma que é essencial que a escola promova um programa antibullying eficiente.
Já os pais de uma criança que pratica o bullying devem mostrar ao filho que se divertir à custa do sofrimento dos outros é inaceitável e que ele pode desenvolver maneiras de se destacar com habilidades valiosas. “O diálogo é sempre importante. E saber o porquê das ações como também fazer uma autoavaliação das relações domésticas entre criança-família”, ressalta a pedagoga Flávia.
“Somos formados por nossas relações históricas e sociais, pela relação com os objetos da cultura. Precisamos saber, tanto a escola como a família, o que estamos proporcionando às crianças e aos adolescentes em relação à apropriação da cultura. O que eles estão se apropriando? O que estamos proporcionando? Uma cultura computadorizada? Uma conversa sem relação de reciprocidade? Vale a nossa consciência”, analisa a especialista.
Já a psicóloga Lúcia Cavalcanti de Albuquerque Williams, da Ufscar (Universidade Federal de São Carlos), avisa que, conforme a gravidade, um psicoterapeuta pode ajudar a criança vitimada ou a autora de bullying, bem como a família a enfrentar o problema. “O que os pais nunca devem fazer é ignorar ou minimizar o problema da criança, nem estimular a agressão ou o revide”.
AÇÃO E REAÇÃO
Vale a pena ressaltar que algumas crianças criam recursos para lidar com o problema e se desenvolvem normalmente. Outras, no entanto, carregam o sofrimento consigo por um longo período de vida ou acabam se tornando autoras de bullying. “Pode haver ainda sequelas terríveis para a vida adulta, como abandono dos estudos, menores chances de conseguir um emprego, de se relacionar afetivamente, formar uma família, problemas com baixa auto-estima e maiores chances de desenvolver transtornos mentais”, alerta a psicóloga Lúcia Cavalcanti. Há casos graves em que o desespero é tão grande que o adolescente se sente sem saída, adoece e às vezes chega a cometer suicídio – vide o fim trágico de Phoebe Prince.
“O bullying associa a intimidação e a humilhação das pessoas por parte do agressor, resultando em um ataque psicológico, físico e social. A vítima recebe uma alta carga energética dos seus agressores, por isso, muitas vezes, existe um peso acima do suportável, podendo gerar intenções suicidas ou homicidas, como muitos casos que acontecem nas escolas dos Estados Unidos, onde a vítima sai matando seus agressores como forma de aliviar essa carga sobre sua vida", comenta a psicoterapeuta Maura de Albanesi, diretora do Instituto de Psicologia Avançada AMO, de São Paulo. “Por esta razão, os pais precisam buscar ajuda psicológica rapidamente, a fim de também evitar que essa criança se torne um adulto que sofra de fobia social, timidez, medo, apatia e afins", alerta a psicoterapeuta.
Matéria retirada do site: www.uol.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário