sábado, 14 de janeiro de 2012

A criança e os pequenos furtos

Somos seres livres e temos diferentes valores, mas sabemos distinguir entre o bem e o mal. A formação e o desenvolvimento da consciência moral acompanha o desenvolvimento da inteligência da criança. O ser humano vive em sociedade, relaciona-se com os outros, convive. A multiplicidade dessas relações exige o estabelecimento e aceitação de normas, valores e padrões de comportamento, que possibilitem a coexistência, convivência e colaboração, mas também o confronto de ideias e a resolução de conflitos. Somos seres livres e temos diferentes valores, mas sabemos distinguir entre o bem e o mal, o justo e o injusto, ou seja, temos uma consciência moral. Deste modo, somos responsáveis pelas nossas decisões e pelas consequências das mesmas. A consciência moral A formação e o desenvolvimento da consciência moral acompanha o desenvolvimento da inteligência da criança. Há um progressivo desenvolvimento da consciência moral, que permite a passagem de uma consciência heterónoma para uma consciência autónoma. A heteronomia existe normalmente até por volta dos 6 anos de idade, e é uma fase em que as normas vêm do exterior, são impostas pelos mais velhos e aceites pela criança. As normas sobre o que é bom ou mau são respeitadas atendendo às suas consequências (prémio, elogio, repreensão ou castigo). Nesta fase existe um egocentrismo intelectual que não permite à criança abstrair-se do seu próprio ponto de vista e colocar-se no lugar do outro. • Por volta dos 7 anos de idade a criança começa a perceber que há uma igualdade entre todos e o respeito unilateral pelo adulto é substituído pela noção de mútuo. Surge a identificação com um grupo e procura-se cumprir o papel que é atribuído pelo grupo, correspondendo às expectativas dos outros. Desenvolve- se o conceito de justiça. • Aos 12 anos atinge-se a fase da autonomia, surge o altruísmo, a capacidade de se colocar no lugar do outro, a compaixão. As normas são exteriores mas também interiores, no sentido em que são colocadas pela própria consciência moral da criança/adolescente. Surge a preocupação pelos valores e princípios universais, mas também a capacidade de os contestar argumentativamente. As regras deixam de ser consideradas sagradas e percebe-se que é possível a sua modificação por acordo das pessoas intervenientes. Todo este processo implica sucessivas adaptações da consciência e do conhecimento às fases de aprendizagem social. A participação dos pais no desenvolvimento da consciência moral dos seus filhos é determinante. A aquisição dos conceitos morais exige que sejam colocadas regras consistentes, bem definidas e justificadas. Estas não podem ser apresentadas de forma autoritária, mas também não o podem ser de forma permissiva. Testar limites É normal que as crianças testem as regras e limites que lhes são colocados, mas é muito importante que a resposta dos pais à transgressão seja firme e coerente. Se a criança percebe que pode infringir as regras uma vez, tenderá a fazê-lo muito mais vezes e será cada vez mais difícil fazê-la compreender e respeitar os limites. Os pequenos roubos representam muitas vezes o desejo de ter algo que não se tem, mesmo que muitas vezes sejam pequenas coisas, insignificantes aos olhos de um adulto que não compreende o porquê do roubo. Por outro lado, o roubo conduz muitas vezes à mentira, na tentativa de ocultar a situação. A criança mente, para evitar uma situação desagradável, ou um castigo. Aqui, o adulto deve ajudar a reconstituir os factos e contribuir para acentuar o sentido da responsabilidade. Na infância sentimos sobretudo para nos isentarmos das culpas. Facilmente as crianças descobrem que a mentira pode ser aceite em certas situações e até ilibá-las das responsabilidades e/ou ajudar na sua aceitação por parte dos colegas. “É importante que a criança aprenda a pedir desculpa, mas tal só será possível se os pais também souberem pedir desculpa” A realidade e a mentira Quando as crianças roubam ou mentem, os pais devem procurar distinguir entre a realidade e a mentira. Devem falar abertamente com elas sobre os aspectos negativos da mentira, e as vantagens que a verdade traz. Fundamental é que os pais sejam um modelo de acordo com o que tentam ensinar aos filhos, ou seja, em casa a criança deverá encontrar exemplos de verdade e honestidade que fomentem a sua atitude de sinceridade. E há muitos adultos que mentem… Os pais são, em geral, pouco verdadeiros com os filhos, principalmente quando eles são pequenos. Fazem-no inadvertidamente, é certo, mas acabam por ser uma espécie de modelo nesta conduta que tanto reprovam. Tantas vezes, os pais mentem quando levam a criança à escola e, para não a verem chorar, dizem-lhe que vão buscar alguma coisa ao carro e só voltam ao fim da tarde; mentem quando prometem aos filhos coisas que não têm qualquer intenção de comprar só para evitar “birras”, ou quando surgem as perguntas embaraçosas, aquelas que acontecem na idade dos porquês, mentem para não magoar os filhos ou para fugirem às questões. Pedir desculpa A participação da criança no estabelecimento de regras deve ser estimulada e é muito importante conseguir que, desde cedo, perceba a diferença entre os sentimentos dos pais em relação a ela e em relação aos seus comportamentos errados. Para isso os pais devem dirigir as críticas às acções e não ao que a criança é como pessoa. Só assim ela poderá aceitar as críticas sem sentir que os pais deixam de gostar dela por aquilo que fez. É importante que a criança aprenda a pedir desculpa, mas tal só será possível se os pais também souberem pedir desculpa. A criança tem que aprender a perceber os sentimentos dos outros, mas também é importante que os pais se interessem pelos seus sentimentos. Tal só se aprende falando de sentimentos: tristeza, alegria, felicidade, zanga, etc. A valorização dos actos positivos da criança é também essencial para que ela aprenda que as suas boas maneiras são reconhecidas e que consegue maior atenção dessa forma. Texto: Raissa Santos, Psicóloga Clínica Fonte: http://familia.sapo.pt

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