quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

A aprendizagem de crianças com deficiências múltiplas - A Matemática nas mãos

Toda escola tem obrigação de receber qualquer aluno, mas não basta simplesmente matricular as crianças com deficiência múltipla. "É preciso ter estrutura", diz Carolina. Nessa hora, entram em cena os educadores que dão o melhor de si para atendê-las. Em Brasília, a professora de Matemática Patrícia Renata Marangon, da 6a série da EE EC-405 Sul, não teve muitas dúvidas sobre o que fazer quando, no ano passado, recebeu em sua classe Paulo Santos Ramos, aluno cego, com apenas 30% da audição num ouvido e pouco movimento nos braços. Nas primeiras aulas, ela percebeu a afinidade do garoto com números e contas e a vontade que tinha de solucionar problemas. Decidiu inscrevê-lo numa olimpíada nacional de Matemática. Paulo, então com 16 anos, conquistou uma das 300 medalhas de ouro concedidas pelo torneio, que teve cerca de 10,5 milhões de participantes. Sem uma versão da prova em braile, Patrícia adaptou ao material concreto as figuras geométricas que apareciam em algumas questões: "Pensei numa forma de fazer Paulo raciocinar com autonomia, sem a interferência dos professores que fariam a leitura das questões". Deu certo. A compreensão das ilustrações ficou por conta da sensibilidade das mãos do garoto, que apalparam figuras feitas pela professora com palitos de dente, EVA, cartolina e papel cartão. Paulo foi o primeiro aluno com deficiência que Patrícia recebeu. O único apoio especializado que a escola oferecia na época era o de um professor itinerante que fazia transcrições para o braile. "Foi difícil lidar com a falta de audição", diz Patrícia. Mas ela não se deu por vencida. Sentava perto do aluno, aumentava o tom de voz dentro da sala de aula e falava bem perto do ouvido do menino, o que a deixava exausta. Antes que perdesse a voz, lembrou-se de uma caixa de som e um microfone que a escola usava em eventos e passou a dar suas aulas com o equipamento. Ele não nasceu cego. Por isso, lembra de imagens e formas. Aos 2 anos, durante as férias que passou com os pais em Cuba, levou um tombo enquanto brincava. Na volta, seu joelho não desinchava. Os pais levaram-no de um médico a outro para entender o porquê do hematoma persistente. "Foi diagnosticada a artrite reumatóide juvenil", lembra a mãe do menino, Maria Lima dos Santos. Uma em cada mil crianças tem essa doença, uma inflamação crônica que afeta as articulações, os olhos e o coração. Aos 3 anos, o pequeno entrou na escola regular com problemas nos joelhos e nos olhos. "Quando sua letra começou a aumentar, me aconselharam a colocá-lo numa escola especial", diz Maria, que se recusava a ver seu primeiro filho, "tão lindo e perfeito", aprender braile. "Tive aversão ao braile até descobrir como seria necessário", admite ela, que chegou a afastar Paulo dos estudos por causa disso. Quando Paulo concluiu a escola especial, onde cursou as duas primeiras séries, voltou à escola comum para continuar a Educação Básica. Sugeriram que ele repetisse o ano. "Os professores afirmaram que ele se adaptaria melhor, já que tinha saído de uma turma de quatro alunos e entrado numa de 20", lembra a mãe. Ao chegar à 6ª série, o aluno, defasado, teve a sorte de deparar com a professora Patrícia, que o levou à olimpíada, apesar da descrença de alguns de seus colegas de trabalho. "Ele tem uma força de vontade que nunca vi em crianças sem deficiência", diz ela. A imprensa divulgou o desempenho do menino e seu feito teve repercussão. "Recebeu até convite de universidade para contar sua história", conta a mãe. Aos 17 anos e com cara de 12 anos (parou de crescer por causa dos remédios que tomou), Paulo não tem medo de público. Adora falar. Só uma otite pode impedi-lo, pois ela causa dor e surdez. Mas já está aprendendo libras para atravessar momentos como esse. Quem conta é Maria, que superou seu horror a braile. "Ele quer se casar e trabalhar", diz ela. O menino que não tomava banho sozinho nem andava com a cadeira de rodas em casa hoje é praticamente atleta. Faz exercícios abdominais e flexões, fisioterapia e natação para recuperar os movimentos das pernas e evitar cirurgia. Fonte: http://revistaescola.abril.com.br

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