sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Desigualdades em campo...

Embora o acesso ao ensino fundamental seja dado como universalizado em todo o Brasil, a persistência das desigualdades educacionais entre as zonas rural e urbana faz lembrar os tempos lentos da história.
O afunilamento da oferta pode ser percebido pela distribuição das matrículas nos diferentes ciclos e etapas da Educação Básica. O estudo Das desigualdades aos direitos: a exigência de políticas afirmativas para a promoção da equidade educacional no campo, realizado em 2009 para o Observatório da Equidade, órgão vinculado ao Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, mostra que para cada duas vagas nos anos iniciais do fundamental existe apenas uma nos anos finais. Para cada seis vagas nos anos finais, há apenas uma no ensino médio. Na zona urbana a relação das matrículas é de quatro vagas nas séries iniciais, três nas séries finais e duas no ensino médio. A dificuldade em dar prosseguimento aos estudos é nítida quando se compara a escolaridade dos jovens. Entre a população urbana de 25 a 34 anos, 52,5% têm ensino médio ou superior. No meio rural esse percentual é de apenas 17%.

Um direito a ser efetivado
"A ausência da oferta de escolas às comunidades rurais é a negação do direito ao acesso à educação. Ainda há no imaginário brasileiro a ideia de que o campo não demanda políticas públicas, de que não se deve gastar dinheiro porque vai acabar. Mas o que a realidade mostra é que, pelo contrário, há um processo de dinamização das áreas rurais", afirma Mônica Molina.

Creches e distorção idade-série
A aprovação da ampliação da obrigatoriedade do ensino para a população de 4 a 17 anos remete a um grande desafio para os gestores públicos das áreas rurais, pois o acesso à educação infantil e ao ensino médio é muito baixo. Das crianças da zona urbana, 20,5% frequentaram a creche em 2008; na zona rural, essa taxa é quase três vezes menor: 7,2%. Na pré-escola, o atendimento chega a 82,2% na zona urbana e a 69,6% no campo. Entre os jovens de 15 a 17 anos da zona urbana, 59% frequentam o ensino médio, contra 33,3% na zona rural. Em relação ao ensino superior, 18% da população de 18 a 24 anos cursa essa etapa na zona urbana metropolitana. Na zona rural, a taxa é de apenas 3,4%.

Além do acesso, há a questão da aprendizagem. A distorção idade-série afeta três de cada quatro pessoas de 9 a 16 anos (75%) na zona rural. Na zona urbana, o percentual, de 56%, também é alto. Nos anos iniciais do ensino fundamental a distorção é de 38,9% no campo e de 18,4% na zona urbana.

Sem condições
Além da dificuldade de acesso, os alunos da zona rural sofrem com a má infraestrutura. Dados do Censo Escolar de 2009 revelam que 90% das escolas do campo não possuem biblioteca. Pouco mais de 8% têm laboratório de informática. Os laboratórios de ciências estão presentes em menos de 1% dos estabelecimentos de ensino. Além disso, quase 20% não possuem energia elétrica. O censo escolar de 2009 mostra que no Brasil 42,5 mil escolas possuem até 30 alunos matriculados, a maioria delas no campo.

De portas fechadas
Nos últimos anos houve um grande movimento de fechamento das escolas rurais. De acordo com o Censo Escolar, entre 2000 e 2009 mais de 34 mil estabelecimentos de ensino no campo deixaram de existir. Destes, 31,2 mil eram municipais.

As explicações para o fechamento são várias: o processo de municipalização, a redução da taxa de natalidade e a diminuição da população rural ao longo dos anos. A nucleação das escolas - a reunião de várias unidades em uma única - é outro fator que contribuiu para diminuição, principalmente no que diz respeito à oferta das séries finais do ensino fundamental e ao ensino médio. Nesses casos, os alunos da zona rural são transportados pelos municípios para os distritos maiores e muitas vezes para escolas da zona urbana. Essa estratégia elevou substancialmente os gastos com transporte nas esferas públicas municipal, estadual e federal.

A participação das redes estaduais na educação rural é muito pequena. Em 2009, eram 6mil escolas estaduais rurais no país, ou 7% do total. A secretária defende a construção de escolas, tanto estaduais quanto municipais. "Se estamos lutando pela ampliação da obrigatoriedade do ensino, precisamos investir na construção de escolas no campo. Criticamos muito a política do transporte, mas o foco das discussões está errado", completa Yvelise.



Investimento ainda insuficiente
O financiamento da educação rural é apontado por Marcelino Rezende como um dos fatores que desestimulam a sua manutenção pelos municípios. Como a maioria das escolas rurais possui poucos estudantes e o Fundeb repassa os valores de acordo com o número de alunos, os recursos acabam sendo insuficientes para manter a estrutura escolar como um todo. "Não há economia de escala", explica.

Em vez de propor a construção de escolas por meio de convênios, Rezende diz que seria mais efetivo ampliar os fatores de ponderação do Fundeb para a educação rural. "Isso daria mais liberdade para a construção das escolas de acordo com as necessidades locais, que são diferentes em regiões de assentamentos, na floresta, em comunidades indígenas etc." Os fatores de ponderação são as variáveis utilizadas para atribuir o valor unitário de remuneração do Fundeb. Por exemplo, para o cálculo do financiamento por aluno das séries iniciais do ensino fundamental é utilizado o fator 1 para as escolas urbanas e 1,15 para as escolas rurais. Essa medida visa justamente reduzir as desigualdades entre as duas localidades, embora pesquisadores e gestores reconheçam que a distinção entre os valores ainda seja pequena no caso da educação rural.

O trabalho docente
A formação dos professores que atuam no campo é desafiadora, não só pela falta de profissionais com nível superior, mas também pela diversidade das realidades sociais encontradas e por prevalecerem o professor polivalente e as classes multisseriadas.

O estudo do Observatório da Educação mostra que em 2007 havia 311 mil professores no ensino fundamental e médio regulares no campo. Esse número representa 17% dos docentes em exercício no país. Deles, 61% não têm formação superior, o que significa um contingente de aproximadamente 178 mil professores.

Outra característica das escolas rurais é que mais de 70% são multisseriadas, o que requer investimento na qualificação dos professores para que estes possam trabalhar com alunos de diferentes séries e idades ao mesmo tempo. "Muitas pesquisas têm mostrado que é comum os professores trabalharem com métodos de ensino típicos das escolas seriadas em turmas multisseriadas", diz Mônica Molina. Com esse quadro, não é difícil antever os problemas em relação à qualidade: os docentes com menos anos de formação são aqueles que têm de se deparar com situações educacionais mais complexas.

A necessidade de material e formação específica para as classes multisseriadas pode ser percebida pelo interesse cada vez maior das redes de ensino pelo programa Escola Ativa, oferecido pela Secad. Atualmente 40 mil escolas são atendidas pelo projeto. Em 2006, eram 6 mil.

De todo jeito, basta que se preste atenção a regiões como o oeste baiano, por exemplo, para ver que a demanda por educação é enorme, seja a oferta precária ou não. Saber
identificar as diferentes necessidades locais - e, obviamente, investir - será a chave para que essas regiões melhorem indicadores sociais e econômicos.


Artigo retirado do site:
http://revistaeducacao.uol.com.br/textos.asp?codigo=13012

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